Quando aquele telefone tocou, achei logo que era mais um revoltado com a prefeitura da cidade reclamando de rua esburacada. O chefe atendeu da mesa dele e quase que de imediato todos os repórteres da redação olharam vidrados para os seus computadores. Ninguém queria ser interrompido para fazer mais uma matéria boba sobre o Natal do shopping tal ou semelhantes.
Mas aquela conversa ao telefone estava longa demais e, obviamente, o meu instinto jornalístico já estava aguçado. De longe, consegui escutar algumas frases soltas.
__ Mas você acha que ela vai dar conta? Ela é nova no jornal... (Falava o chefe de redação).
De imediato imaginei que falavam de mim. Eu era a repórter mais nova da editoria. Era certo que ele estava desdenhando da minha capacidade em alguma matéria um pouco mais elaborada.
Enquanto ele tentava convencer a pessoa que estava do outro lado da linha de que a tal repórter não era apta à matéria, eu tentava de todas as formas escutar o que ele falava, sem que ele percebesse.
O meu chefe desligou o telefone e soltou o famoso: __ ôôôô....
Ele sempre fazia isso antes de chamar uma repórter pelo nome. Na verdade ele não lembrava o nome de ninguém e precisava de um tempo para tentar lembrar. Todas as repórteres eram obrigadas a olhar para ele, para que assim, ele pudesse olhar para a pessoa que ele queria falar e apontá-la, falando o que queria dizer. Quando ninguém olhava, ele dizia: __ ôôôô, menina! Aí sim, todas nós tínhamos que olhar.
Mas naquele momento a minha curiosidade era maior do que o medo de pegar uma pauta furada. Eu sabia, pelo teor da conversa, que a tal matéria era na verdade um desafio. Um desafio que meu chefe achava que eu não conseguiria conquistar. Então olhei para ele. Evitando a demora para me chamar, caso fosse eu mesma. Eu estava curiosa, com muito medo e até um pouco triste, eu diria.
Ele foi rápido. Olhou para mim e com o dedo me chamou em sua mesa. Fui até ele. Trêmula. E mais ma vez ele foi direto:
__ As prefeituras de algumas cidades da Região Serrana do Estado enviaram um convite para o nosso jornal ir visitar fazendas e centros históricos do local. A ideia deles é que façamos uma matéria sobre o turismo da região, que é pouco conhecido. A repórter e o fotógrafo escolhidos irão passar quatro dias em um hotel, visitando esses pontos turísticos. O Evandro falou que é você quem vai. Você vai amanhã e volta na sexta-feira. Tudo bem para você?
Era eu. Era eu a repórter que eles discutiam se era apta para o pauta. Era essa viagem a tal matéria tão importante. Eu tinha que ir. Eu tinha que provar que era capaz. Mas lembrei que na sexta-feira teria a minha colação grau. E eu já havia pedido para sair mais cedo na sexta.
__ Que horas devo estar chegando na cidade sexta-feira?
__ Acredito que umas 21 horas você já está aqui. Por quê? Algum problema?
__ É o dia da minha colação de grau. Eu tinha até pedido pra sair mais cedo.
__ Não vai poder ir?
__Não.. ééé.. Quer dizer, vou! Eu dou um jeito. Chego aqui e vou correndo direto para a minha colação.
__ Tem certeza? Não vai te atrapalhar?
__ Não. Quer dizer, tenho! eu vou.
Eu sabia que eu tinha pouca chance de chegar na colação a tempo. Mas também sabia que poderiam estar me testando. Sem contar que achavam que eu não daria conta. Eu tenho que ir. Eu vou.