quinta-feira, 24 de setembro de 2009

ilusões de menina

Era uma manhã de domingo, inverno, aquelas manhãs que fazem muito frio mas o céu continua lindo e azul, acompanhado por um sol muito tímido... Era possível escutar da janela do meu quarto o canto dos pássaros, o dia parecia mesmo ser dos mais bonitos, porém minha preguiça ainda era maior do que qualquer outra vontade naquele momento. Me espreguicei algumas vezes, estiquei, alonguei, procurando coragem para me levantar daquela cama tão quentinha, tão aconchegante. Era tudo tão gostoso que por alguns minutos esqueci do compromisso que me esperava, e em um estalo, pulei da cama rapidamente.

__ Caramba, não vai dar tempo, não vai dar tempo!

Eu repetia diversas vezes enquanto me trocava, incrível como quando estou correndo, tudo parece desaparecer. E indo contra a quem inventou o ditado de que a pressa é inimiga da perfeição, em exatos dez minutos eu já estava na sala, linda e feliz!
Pude perceber a insatisfação da minha irmã pela minha presença, acho que ela pensou que eu não acordaria tão cedo para o passeio. Doce ilusão.
O Ícaro não se importou com a minha ida, lembro-me que na época eu chguei a pensar que ele tinha ficado feliz em me ver naquela manhã, pelo simples fato de ter sorrido pra mim, hoje vejo que ele só me via mesmo como a irmã mais nova de sua noiva. Uma menina esperta e inconveniente, como todas as garotas de 12 anos.

__ Bom dia Clarinha, pensei que tinha esquecido do nosso passeio.
Eu odiava quando ele me chamava pelo diminutivo, me passava a sensação de que realmente só me via como uma criança.
__ Jamais esqueceria, meu lord.
Nunca o chamei pelo nome, muito menos de "cunhado" como minha mãe insistia para que eu chamasse. O Ícaro sempre foi o "meu lord". Desde a primeira vez que o vi, muito antes da minha irmã, ele já era o homem com que eu sonhava em me casar um dia.
__ E você acha mesmo que a Clarinha ia deixar de atrapalhar a nossa manhã, meu amor?
Falou Cristina, irônicamente, como na maioria das vezes que dirigia a palavra a mim. Ela me chamava de "Clarinha" porque sabia que eu não gostava, eu a chamava pelo nome, Cristina, indo contra mais uma vez aos ensinamentos de minha mãe.

Fomos em direção ao carro, eu corri e pulei para o banco da frente, Cristina, furiosa veio logo atrás e aos berros exigiu que eu fosse para o banco de trás. O Ícaro, sempre muito trânquilo, tentava acalmar a situação:
__ Deixa ela ir no banco da frente, meu amor, na volta você vem ao meu lado.
Dizia o meu lord, com aquele sorriso lindo, enquanto minha irmã ficava roxa de ódio no banco de trás. Eu adorava todos os tipos de sorrisos do Ícaro, mas aquele eu gostava de maneira especial. Era um sorriso de lado, acompanhado por uma piscada nos olhos, como quem dizia "pode contar comigo". Era um sorrido de parceria, como se ele confiasse em mim e estivesse ao meu lado para tudo. Quando ele sorria assim eu esquecia ainda mais que minha irmã existia.

Assim que descemos do carro já pude perceber o lugar lindo que nos esperava. Uma pequena cachoeira, água transparente, árvores, pássaros... Era tudo tão lindo!
A Cristina organizou nossas coisas em um gramado que ficava abaixo de uma árvore, bem perto das pedras, ao lado da cachoeira. Sentamos e ela foi dar um mergulho. Eu sentia ódio da maneira com que o Ícaro olhava pra ela..., Como um menino com fome. Então, eu tentava de todas as formas chamar mais atenção, com minhas histórias tolas sobre formigas vermelhas.
Ele pegou uma garrafa d'água, bebeu um pouco.
__ Quer?
Ele me ofereceu.
__ Não, obrigada.
Eu não estava com cede.
Ele continuava a beber, enquanto eu observava sua boca encostando na garrafa, eu nunca o desejei tanto quanto aquele momento.
__ Pensando melhor, acho que estou com sede sim!
Ele me passou a garrafa, limpando o queixo, levemente molhado, por ter interrompido seus grandes goles para atender o meu inesperado pedido.
Eu peguei a garrafa, encostei minha boca bem devagar, fechei os olhos, e naquele momento eu poderia sentir os seus lábios encostados nos meus. A simples ideia de imaginar que sua saliva contida naquela garrafa estava sendo passada para minha boca, me enlouquecia.
__ Anda logo com essa água menina.
Me interrompeu Cristina, já pegando a garrafa de minha mão. Ela sempre aparecia nos momentos mais indesejáveis.

Cristina sentou ao lado de Ícaro, iniciando mais uma daquelas cenas nojentas de beijos explícitos, ele tentava desviar.
__ Calma Cristina, olha a menina aí.
Ela não dava a mínima.
__ Esquece isso. Ela já é bem grandinha, Clarinha?
__ Sou.
Respondo furiosa e me afastando do local.

Desci o gramado, fui andando pelas pedras e fiquei bem de frente para a cachoeira, olhei para os dois: beijos nojentos, precisava dar fim naquilo.
__ Ítalo! Se eu pular daqui eu me afogo?
__ Claro, você não sabe nadar.
Respondia ele, com dificuldades, enquanto Cristina insistia em beijá-lo.
__ E se eu cair, você me salva?
__ Claro, querida.

...

__ Clarinhaaa!!!
Gritava Ícaro enquanto corria para me tirar da água. Ele realmente não imaginava que eu pudesse me jogar. Pulou da maneira que estava, enquanto Cristina, nervosa, se aproximava da água também.
Ele me pegou no colo e eu estava consciente, pois mesmo sem saber nadar, o Ícaro tinha sido muito rápido.
Já em terra firme, eu sorri, ainda em seus braços e falei:
__ Você me salvou, você é o meu herói!
Ele, irritado, me largou no chão e gritou aos berros:
__ Você é doida? Tem noção de que podia ter morrido? Tem noção de que nós dois poderíamos ter morrido?
Ele nunca havia gritado comigo, eu me assustei.
__ Calma Ícaro, tá assustando ela.
Interrompeu Cristina.
__ Desculpa meu lord, eu só queria, só queria...
__ Você só queria chamar atenção, assim como faz a todo momento. E não me chama de "Lord". Já estou cansando disso tudo. Cansado das suas infantilidades sem fim. jjá tive paciência demais com você, garota.
Cristina permanecia calada, eu só conseguia chorar. Nunca falaram daquela maneira comigo, e o Ítalo, percebendo que havia exagerado, tentou amenizar as coisas. Se aproximou de mim, abaixou- se, e olhando nos meus olhos, falou:
__ Olha, desculpa. Desculpa tá? Eu fiquei nervoso, não devia ter falado dessa maneira com você... Mas é que na hora....
Não deixei que ele terminasse a frase e respondi, sorrindo:
__ Tudo bem, meu lord. Eu entendo seu nervosismo, eu poderia ter morrido, né? Fico feliz em saber que você se preocupa comigo.
Abracei aquele meu amor como uma criança abraça um ídolo. Naquele momento eu tinha a mais absoluta certeza de que ele me amava. Ilusões de menina.








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