Quando criança, lembro-me que um de meus maiores sonhos era poder me casar com meu pai. Eu dizia com todas as letras que eu era sua marida, isso com meus cinco ou seis anos. Ele era meu herói, meu exemplo, o único homem que existia para mim... Não sei exatamente quando essa admiração toda se perdeu. Era só ele aparecer no fim da rua, cansado, voltando do trabalho, para que eu fosse correndo dar aquele abraço! Tenho boas lembranças das histórias que ele me contava, cada uma mais absurda que a outra, e ele fazia com que elas fossem totalmente reais para mim. Meu pai mentia como ninguém! Quando ele não estava em seu quarto lendo, estava pintando. Além dos traços em meu rosto, foram essas duas coisas que herdei do meu pai: A paixão pela leitura e pela arte! Um dom mesmo, eu nunca havia feito aula de desenho ou coisas do tipo, mas sempre tive esse talento. O primeiro quadro que pintei foi as escondidas, por volta de meus cinco anos. Entrei no quarto do meu pai, subi na estante, peguei seu quadro e suas tintas, e comecei a pintar... Sem a menor ordem, é claro! Levei uma surra daquelas pela arte que fiz. O segundo quadro que pintei, foi com sua autorização, meu pai me chamou na sala e pediu para que eu terminasse aquela pintura, um retrato dele, eu me lembro. Com pouco jeito, mas cheia de vontade, pintei! E não demoraram muitos dias para que ele me presenteasse com o meu próprio kit de pintura! Ele lia muita coisa para mim também, me lembro de um texto onde contava a história de uma prostituta, ele me perguntou se eu sabia o que era uma mulher da vida, eu disse que sim, que era uma mulher que vendia o seu corpo por dinheiro, ele se assustou com minha resposta, afinal, eu não passava dos oito anos, mas sinceramente acho que na época nem eu sabia exatamente o que estava falando. Meu pai sempre me defendia, por mais errada que eu estivesse, acho que no fundo ele sempre gostou um pouco mais de mim do que da minha irmã. Com o tempo, não sei exatamente o porque, fomos nos afastando... Talvez pela separação definitiva dos meus pais, que aconteceu exatamente na época de minha depressão/rebeldia de pré-adolescente. Confesso que senti muita raiva do meu pai naquela época, confesso ainda mais, cheguei a desejar sua morte. O que não é muito estranho para uma menina que aos 13 anos chegou a pensar seriamente em suicídio. Foi aos 14 que me vi fazendo uma bobagem e pela primeira vez meu pai não me defendeu. Pois para ele, eu não tinha motivos nenhum para matar aula e ficar no bar bebendo com 'amigos', eu tinha uma família, educação, liberdade e tudo aquilo que um jovem precisa para ser feliz. Foi a primeira vez que vi meu pai chorando, a primeira vez que levei um esporro de verdade, a primeira vez que senti seu abraço sincero de perdão! Quando agente vai crescendo, vai criando uma personalidade. Eu já não acreditava nas histórias que meu pai me contava, nem achava tanta graça em suas piadas preconceituosas. Fui abrindo a minha visão e ganhando argumentos para defender o que eu acreditava, e diga-se de passagem, o que eu acreditava normalmente batia de frente com os ideais de meu pai! Iniciavam-se as inúmeras brigas, meu pai tem o 'dom' de bater sem encostar um dedo na pessoa, sua palavra doe mais que um murro no rosto. Em meio as discussões, ele me falava coisas horríveis, doía, eu sempre chorava... Depois ele aparecia aqui em casa como se nada estivesse acontecido, com uma piada, um presente, e eu acabava esquecendo tudo que passou. Mas a última, e definitiva, briga foi diferente. Uma foto, um ato incocente, e de repente... O mundo caiu! Nunca mais vou esquecer o ódio e a revolta que estava em seu olhar. Eram olhos lacrimejados e furiosos ao mesmo tempo, eu via ali seu instinto mais irracional. Suas frases ditas aos berros eram tomadas por palavrões e preconceitos [...] Frases essas, que me reservo a não escrever aqui, mas garanto que foi uma cena forte, assustadora eu diria! Depois desse dia cortei qualquer tipo de laços com ele, nem mais uma palavra ... Hoje em dia, ele tenta de todas as formas ter algum assunto em comum comigo. Eu o respondo, porém sempre friamente, não consigo e nem quero mais fingir que nada aconteceu.
Ele criou uma menina de personalidade, e agora não há nada mais a fazer ...
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